Reportagem publicada neste domingo, 1º de setembro, no Estadão, mostra o funcionamento da indústria de palestras de juízes de instâncias superiores, com destaque a ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que participaram de eventos organizados por entidades e pessoas envolvidas em processos criminais que eles próprios relataram.
O jornal mapeou os cachês recebidos por dez magistrados em 17 eventos, de junho de 2021 a agosto deste ano. Os valores, pagos por órgãos públicos e entidades empresariais, chegam a até R$ 50 mil por uma hora de palestra.
No caso do STJ, a reportagem cita os ministros Paulo Dias de Moura Ribeiro e Antonio Saldanha Palheiro. Ambos foram convidados a palestrar para servidores da Assembleia Legislativa do Estado, a ALMT, pelo deputado estadual Max Joel Russi (PSB). Os cachês, de R$ 15 mil, foram pagos com dinheiro público e recebidos pelos magistrados por meio de suas empresas de palestras.
Até junho de 2022, Palheiro relatou no STJ um processo criminal movido contra Russi. O político era acusado da suposta prática de fraude à licitação quando era prefeito de Jaciara, no Mato Grosso. Já Moura Ribeiro relatou, entre janeiro de 2022 e junho passado, um processo de cobrança de dívidas movido pelo Banco do Brasil.
No caso do STF, o jornal cita o caso do ministro Luiz Fux, que é convidado frequente de eventos da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A entidade figura como parte ou como amicus curiae em várias ações no Supremo.
Em setembro de 2022, Fux esteve em Fortaleza para proferir a palestra “Segurança Jurídica e o Risco Brasil” em evento da entidade. A palestra foi organizada pelo Instituto Justiça e Cidadania (IJC) e contou com apoio financeiro da CNI,
A CNI disse ter investido R$ 145 mil na realização do evento, mas afirmou que não houve pagamento “por parte da CNI” a Fux. Em março daquele ano, o ministro já havia palestrado em outra conferência da entidade.
No caso do TST, os ministros Guilherme Caputo Bastos e Douglas Alencar fizeram parte da comissão organizadora do “II Congresso Nacional da Magistratura do Trabalho”, promovido pela Academia Brasileira de Formação e Pesquisa (ABFP) em Foz do Iguaçu (PR).
A ABFP é uma das empresas mais importantes do ramo de palestras de ministros de tribunais superiores e tem patrocínio de empresas privadas como a OGMO Santos e a Brasil Terminal Portuário.
“Na segunda-feira depois do evento, o órgão especial do TST, do qual faz parte Caputo Bastos, votou uma ação movida pelo Sindicato dos Operários e Trabalhadores Portuários de São Paulo contra a Companhia de Docas do Guarujá, a Terminal de Granéis do Guarujá e outras empresas do setor, por supostas contratações irregulares de funcionários. Kanitz, que trabalha com Caputo Bastos na ABDPM, atuou como advogado no julgamento, que terminou com vitória das empresas”, diz a reportagem do Estadão.
Lewandowski contra a transparência dos cachês
Uma resolução do Conselho Nacional da Justiça (CNJ), assinada pelo então presidente do STF Ricardo Lewandowski, em junho de 2016, deixou de exigir a necessidade de detalhamento dos valores recebidos por magistrados por suas palestras.
Lewandowski equiparou a realização de palestras à atividade de professor, abrindo uma brecha para a escalada dessa atividade. Também não há qualquer tipo de limite para o recebimento desse tipo de honorário.
Ao argumentar pelo sigilo dos valores das palestras, o então presidente do STF recorreu à questão da segurança dos magistrados:
“A preocupação aqui é só resguardar a privacidade, a intimidade e a própria segurança. Porque hoje, quando nós divulgamos valores econômicos, nós estamos sujeitos, num país em crise, num país onde infelizmente a nossa segurança pública ainda não atingiu os níveis desejados… Então é preciso resguardar todos esses aspectos.”
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