Os juros reais dos títulos públicos de longo prazo atingiram patamares preocupantes, colocando o Brasil em uma situação delicada e que evoca memórias recentes de instabilidade. Desde dezembro, os papéis do Tesouro com vencimento em dez anos ultrapassaram consistentemente os 7% ao ano, nível não visto de forma sustentada desde os anos mais críticos da crise fiscal entre 2015 e 2016. A repetição desse cenário acende um alerta.
Diferentemente de episódios anteriores, em que a desconfiança surgia de surpresas negativas, a atual deterioração fiscal ocorre de maneira gradual e previsível, mas sem ações concretas para revertê-la. "O mercado já não está em dúvida. Há uma convicção de que a política atual não trará redução do endividamento", analisa um economista que preferiu não se identificar.
O custo dessa desconfiança é claro. Títulos atrelados à inflação (Tesouro IPCA+) com vencimento em 2032 saltaram de 5,45% no começo de 2023 para 7,84% atualmente. Até papéis de curto prazo, como os de 2026, atingiram 9,51%, indicando um cenário de alto risco mesmo para investimentos de menor duração. O governo, assim, se vê obrigado a pagar juros mais altos para rolar sua dívida.
Esse movimento é comum em economias com credibilidade abalada. No passado, o estopim foi o descontrole nas contas públicas e manobras contábeis. Agora, o que preocupa é a falta de medidas efetivas para frear o crescimento da dívida, que já beira 76% do PIB.
Apesar da aprovação de um novo arcabouço fiscal, as projeções mais otimistas apontam para um superávit primário de apenas 0,2% ao ano — valor insuficiente para estabilizar a trajetória da dívida. O mercado aguardava um início de mandato com sinais claros de contenção de gastos, mas, até agora, as medidas anunciadas se limitam a incentivos pontuais e expansão de crédito, sem um plano consistente de ajuste.
"Nos próximos anos, não há perspectiva de mudança significativa", afirma um gestor de investimentos. "O país cresce cerca de 2% a 3%, mas de forma frágil, impulsionado pelo consumo e sem avanços em produtividade ou investimentos." Essa avaliação remete a um padrão já visto: crescimento artificial, falta de reformas e aumento da desconfiança de investidores.
Enquanto isso, o cenário externo também pressiona. A diferença entre os juros brasileiros e os dos EUA, o chamado spread, está em cerca de 5,5 pontos percentuais, abaixo do pico de 7 pontos em 2016, mas sem perspectiva de melhora. Além disso, as incertezas globais, como tensões comerciais e políticas protecionistas, elevam o risco para economias emergentes, incluindo o Brasil.
A semelhança mais preocupante com o período anterior está na postura política: a prioridade parece ser a construção de apoio para as próximas eleições, em vez de medidas impopulares, porém necessárias, para equilibrar as contas públicas. Se naquela época a crise explodiu de forma abrupta, hoje os sinais de alerta estão se acumulando, e o tempo para evitar um colapso pode estar se esgotando.
Sem uma mudança de rumo, o risco é o esgotamento do espaço fiscal, o aprofundamento da desconfiança e o aumento do custo da dívida — fatores que podem sufocar investimentos e prejudicar ainda mais a economia. A lição do passado recente é clara: ignorar os avisos do mercado pode ter consequências graves.
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